''Nada mais chato que alguém mapeado, retilíneo, constante, doce, amável. Para mim, só vale a pena quem tem um cadáver no armário, uma sombra perigosa, um poço fundo. Pessoas planas surtem o mesmo efeito que muitos dias de sol seguidos: podem até ser agradáveis, mas são certamente entediantes. Não há nada para aprender com quem nunca se arriscou. Nada a dividir com quem jamais saiu da segurança do previsível.
Somos inerentemente fascinados pelo que não entendemos, amamos o desconhecido com um amor tão lancinante quanto arriscado — por isso mergulha-se à noite, escala-se o Himalaia, doma-se leões, come-se fora de casa. São todas tentativas de descobrir temperos que despertem o paladar em vidas insípidas. Por isso amantes são vitais para homens obtusos, que pensam conhecer cada detalhe de suas mulheres e se entediam com elas (e mal sabem como são enganados por sua própria falta de visão): o terceiro elemento incita a conquista, os faz ser, pelo menos por alguns dias, homens mais interessantes. Escondidos atrás dessa muleta emocional, sentem-se especiais por ter um segredo a esconder, algo só seu. (...)
Ter segredos é efeito de viver intensamente, a prova de que a realidade pode ser muito maior e significativa do que nossos forçados sorrisos de bom-dia, o escritório claustrofóbico, o saldo negativo. É ter coragem de arcar com o peso de ser único, independentemente de nossos atos serem louváveis ou não, aprovados ou não. É preferir guardar para si o que causaria estrago em alguém, não por medo, mas por carinho.
Quem não se arrisca, não faz besteira e não erra, não vive, apenas desperdiça o sagrado tempo que deveria ser aproveitado com paixão. Apenas caminha, sem deixar pegadas, sobre os dias, rumo à morte.''
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